Programa Lobos da Canastra

Nossa História

A missão do projeto é tornar a comunidade da região da Serra da Canastra um exemplo no uso sustentável dos recursos naturais do cerrado e na convivência harmoniosa com o lobo-guará e a fauna local.

Em janeiro de 2004 foi iniciado o projeto de pesquisa “Biologia comportamental e conservação do lobo-guará Chrysocyon brachyurus no cerrado do estado de Minas Gerais”, envolvendo 10 instituições lideradas pela OSCIP Instituto Pró-Carnívoros. O projeto, popularmente chamado de “Lobos da Canastra”, contemplou vários objetivos relacionados à conservação do lobo-guará na região como estimativa populacional, dispersão de jovens, saúde, genética, comportamentos, áreas de vida e dieta. Além da pesquisa com o lobo-guará, algumas atividades junto à comunidade foram realizadas ao longo destes anos.

O que buscou-se em todas elas foi a melhora na percepção dos moradores locais sobre a fauna e motivar a discussão dos problemas e busca por soluções pertinentes ao meio ambiente.

Rapidamente, o desenvolvimento de cada objetivo em linhas de pesquisa e ações estratégicas, evoluíram para a constituição de um programa transdisciplinar, o Programa para a Conservação do Lobo-Guará. A diferente estrutura organizacional manteve o  “Lobos da Canastra”.

Avaliação do uso da paisagem pelo lobo-guará e impactos à sua ecologia espacial

Implantação de método de prevenção a conflitos

Melhora da relação entre o lobo-guará e proprietários rurais

Difusão do conhecimento e melhora da percepção do lobo-guará na Serra da Canastra e no Brasil

Percebe-se claramente que há uma relação de tensão entre a unidade de conservação e a população local, originada ao longo do processo de criação da unidade há pouco menos de 40 anos. A falta de diálogo franco sobre a questão possibilitou a manutenção, e um possível aumento, do mal-estar entre comunidade e Ibama, que persistiu-se até dias de hoje com o ICMBio. Alguns reflexos podem ser facilmente verificados e que corroboram este fato:

– a ocorrência de incêndios florestais provocados dentro da unidade;

– a reduzida participação da comunidade no combate a tais incêndios;

– o baixíssimo índice de visitação de membros da comunidade à unidade;

– a relação conflituosa com algumas espécies da fauna tais como lobo-guará, onça-parda, entre outros predadores.

Em termos de educação ambiental, três linhas de trabalho foram desenvolvidas de 2004 a 2010. A primeira foi a interação com a comunidade buscando compreender a cultura, as relações com a natureza e com a unidade. Nesse sentido, foram realizadas várias entrevistas com diversos membros da comunidade (professores, estudantes, técnicos da prefeitura, ex-funcionários do Ibama, fazendeiros, profissionais ligados ao turismo). Também foram feitas observações da comunidade em escolas, no Parque Nacional da Serra da Canastra, em espaços públicos e festas locais (p.ex: folia de reis, festa do Queijo, festa de São Roque).

A segunda linha de trabalho foi desenvolvida junto às escolas. Foram realizadas oficinas para o desenvolvimento do tema transversal Meio Ambiente nas escolas. Esta atividade relaciona-se a programa de extensão conduzido no Centro Universitário de Brasília, que enfoca especialmente o tratamento dado ao Cerrado nas escolas.

Nas oficinas deu-se início a um processo de reflexão e estabelecimento de estratégias para as escolas priorizarem a questão ambiental local. As três escolas do município de São Roque de Minas foram atendidas, e devido à solicitação da própria diretora, a escola municipal de Vargem Bonita (município vizinho) também foi atendida. As quatro oficinas contaram com a participação de cerca de 100 professoras, que representam praticamente a totalidade de professoras dos dois municípios.

A terceira linha de trabalho buscou a abertura de um canal efetivo de comunicação entre o projeto Lobo-guará e a comunidade, particularmente, as fazendas da região. A proposta foi a de produzir vídeos de curta duração (10-20 minutos) que abordassem temas ambientais de interesse e do dia-a-dia da comunidade, e veiculá-los em um cinema aberto, nas praças e nas fazendas, popularmente chamado de Cine-Lobo. Juntamente com os filmes educativos, também serão exibidos filmes do cinema nacional. A intenção foi de gerar, a partir dos filmes, discussões que resultem em ações efetivas para a melhoria da relação da comunidade com a natureza e a valorização da cultura local. Foram produzidos 4 filmes, sobre as riquezas locais, sobre a relação conflituosa do lobo com criadores de galinha, sobre a saúde na área rural e sobre resgates de tradições culturais.

Para acompanhar as atividades educacionais, fora desenvolvido um mascote do lobo-guará, cuja utilização se deu amplamente nas atividades.

Pode-se destacar alguns resultados efetuados aproveitando as três linhas de trabalho associadas. Entre setembro de 2007 e outubro de 2010 sessões de cinema envolveram cerca de 2,200 moradores da Serra da Canastra. As sessões foram realizadas em diversas situações tais como escolas, fazendas, igrejas, praças publicas, entre outros locais, atendendo a um público médio de 70 pessoas por sessão. O uso do cinema itinerante como ferramenta para o trabalho educativo com comunidades rurais mostrou aspectos bastante positivos, mas também algumas limitações.  O principal ponto forte foi o seu poder de agregar as pessoas, tendo em vista que no meio rural as pessoas dificilmente abandonam suas rotinas para atividades sociais das quais não estejam fortemente interessadas. A frequência às sessões foi bastante representativa e os pedidos para novas sessões são recorrentes até os dias de hoje. Mesmo aqueles que não participaram das sessões, informaram ter conhecimento do cinema pela divulgação no rádio ou ainda por ter conhecidos e parentes que frequentaram as sessões. Outros pontos de destaque do cinema itinerante são a divulgação do projeto de pesquisa e conservação do lobo-guará como um todo, e o fato de ter apresentado grande poder de captar a atenção das pessoas nos pequenos documentários produzidos, uma vez que estes se utilizam de imagens locais de paisagens, fauna, flora e a própria participação de pessoas da comunidade.

De forma geral, o projeto sempre buscou a disseminação da informação, sendo localmente através das atividades educacionais, sendo em larga escala em campanhas com a mídia. Assim, o projeto apresentou grande repercussão tanto nos meios técnico-científico voltados à conservação quanto ao público geral pelas reportagens da imprensa escrita e televisiva. Em algumas matérias, envolvemos a comunidade local nas reportagens, sendo marcante no aumento da autoestima local.

Como desdobramentos das ações aqui relatadas, observa-se que já é possível realizar amplo debate sobre as relações da comunidade e o parque nacional ou mesmo sobre questões ligadas ao ambiente natural e uso sustentável dos recursos, envolvendo fazendeiros e poder público local, ações impensáveis antes das atividades de educação e comunicação deste projeto. As questões tratadas nesse programa educativo, voltadas à melhoria da autoestima, valorização das riquezas ambientais e culturais locais, e preparo para debate e resolução de problemas em grupo não são especificidades dessa comunidade, mas de muitas outras no Brasil e, provavelmente, em outras diversas localidades do mundo. Sendo assim, temos o objetivo de apresentar estes resultados sempre de forma ampla tanto na comunidade científica como em outros setores, para que sirvam de modelo. Temos a satisfação de observar que hoje, as estratégias de promoção da participação comunitária aplicadas com sucesso na região da Serra da Canastra, já são observadas em uso (em fases de adaptação) em Planaltina, GO, através de projeto da Universidade de Brasília, na Argentina (conduzidas em projetos colaborativos), e vem sendo utilizadas em podem ser revistas e adaptadas para outras realidades socioculturais, como propostas de adaptação para o uso em projeto educacional no interior da Bahia em projeto que tem a onça-pintada como espécie-alvo. Além das atividades educacionais, o trabalho de implantação da galinheiros como medida preventiva tem sido replicado em diversas localidades do cerrado, como por exemplo no entorno do Parque Nacional de Grande Sertão Veredas, norte de MG, no Triângulo Mineiro (associado e outro projeto de pesquisa com canídeos silvestres, pelo Programa de Conservação Mamíferos do Cerrado), em Atibaia e municípios vizinhos (SP), e em outras localidades no norte do estado de SP, replicados através do folder informativo que tem esta função de replicação da metodologia, elaborado pelo projeto na Serra da Canastra.